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A união

A união

                          A união

Um dos grandes problemas que o homem sempre teve de enfrentar foi – continua a ser – a apetência para a insaciável vertigem. A vertigem começou por ser, ao olhar do homem de hoje, uma vertigem de procura e de descoberta de si mesmo, ou seja, do seu lugar num mundo ainda distante e misterioso. Aos poucos, o tempo foi passando, i.e., os séculos foram passando, e o homem foi, muito lentamente, virando o olhar do seu interior para o seu exterior, mas sempre, com a noção crescente de olhar intencional. Desse olhar intencional fez-se o desejo das coisas, que se transformou em apropriação das coisas, que se transformou em destruição das coisas.

O homem é insaciável. O seu desejo é uma vertigem imensa que só acalma – só acalma, não desaparece – com o sentimento de poder. É inevitável, e já vi pessoas jurarem a pés juntos que não desejam determinada coisa ou determinado cargo mas que, seduzidos pelo poder, mergulham nesse mundo fátuo que é valorizado pelos outros, nunca pelos próprios. O ser servil, sem o orgulho próprio da magnificência da sua condição base, transforma o ser igual em gigante pomposo.

Aqui lembrei-me do Adamastor com traços tenebrosos que à pergunta: Quem és tu?, se encolheu indulgentemente por não saber responder. Quem és tu? Se for imperativo desmonta qualquer vaidade e transforma o balão cheio de ar num um balão vazio, normal, igual a tantos outros balões.

O poder corrompe! Disso não há dúvida e esta é uma afirmação categórica. E quem não se deixa corromper é simplesmente esquecido, desprezado, remetido para um limbo de esquecimento. O detentor do poder começa, lentamente, a modificar os seus traços. Primeiro os traços físicos. A cabeça levantada, a roupagem a condizer, o andar assertivo e firme, a expressão grave, a sensação de levitação em passinhos rápidos e frenéticos, o ar atarefado, a voz forte etc. Estas são algumas das mudanças que se efectuam. Mas não bastam porque se for só exterior a sensação não é completa. É necessário mudar também o interior para que o embrulho fique completo. Imaginem, por fora um camião, por dentro um triciclo…não é possível! É necessário transformar essa fraqueza em força, transformar os traços físicos em traços psicológicos. Então, mudam-se as atitudes, transforma-se a voz, apreendem-se novos tiques, tomam-se atitudes de ruptura com o passado para que este seja efectivamente posto de lado e:

      -  Eis o novo homem.

O todo poderoso e invencível homem que se reinventou para perpetuar para sempre.  

Mas a terra…a terra chama, constantemente, num apelo silencioso e mudo. Se repararem bem não nos elevamos…com o passar do tempo, a nossa viagem, aquela que somos impelidos a fazer para além da nossa vontade, é a viagem da terra. A terra puxa constantemente por uma lei que, essa sim, é universal. Não há volta a dar. Ter consciência disso, é ter consciência que todo o poder é fátuo.

As sociedades, elas também, se encheram de poder com revoluções libertárias transformando os antigos Reinados Divinos em Reinados Terrestres. Neste país plantado à beira mar, os cravos foram a poderosa imagem de um novo mundo. Um mundo em que todos fossem iguais – pelo menos em teoria – em que todos tivessem as mesmas oportunidades, em que se reconhecesse a dignidade do trabalho da propriedade e sobretudo a dignidade de sonhar.

Os sonhos desses tempos ficaram pelo caminho. Levou-os a água. Ficou a triste realidade, esta com a qual agora vivemos. Aparentemente, vivemos melhor. Mas parece-me que é só aparentemente, pois esta imagem, esta vestimenta que tão pomposamente usamos, vai ser paga com juros altíssimos. Chegará o tempo de chorar?

Suponho que sim, pois os cravos também choram…